Brasília – Uma das maiores aberrações já vista após o fim da República Velha, em 1930, foi ouvir e ver o jurista Afonso Arinos dizer que o Sarney era legalmente o presidente da República, após a morte do Tancredo Neves.
Pela televisão e com a Constituição Federal para enfeitar e amenizar o absurdo, o jurista Afonso Arinos afirmou categoricamente que o Sarney era o presidente da República.
Não era.
O renomado jurista brasileiro parecia constrangido e acho até que sua morte foi apressada devido ao vexame a que foi submetido, e pelo qual atirou na lama toda uma história de respeito à lei.
De todos os envolvidos, só o general Figueiredo agiu corretamente. O general se recusou a passar a faixa presidencial para o Sarney e a imprensa venal deturpou o gesto nobre alardeando que se tratava de uma grosseria.
Mentira; a atitude do general Figueiredo representava a fidelidade e a coerência; a fidelidade à Constituição Federal e a coerência de quem aprendeu a respeitar a lei.
O Tancredo Neves faleceu antes de tomar posse e prestar o juramento; logo, o Tancredo era o presidente do fato que ainda não havia gerado o Direito – e, sendo assim, o seu vice era o vice do nada.
O correto seria convocar nova eleição, mas a tradição política nacional baseada nos golpes contaminou os civis – que não titubearam em lançar mãos do golpe e rasgaram a Constituição.
Moral da história: se em 1964 se inaugurou com um golpe militar-civil o período dos governos militares, em 1984 inaugurou-se com um golpe civil-militar o período dos governos… dos governos…período de que governos mesmo?
Podemos dizer: período dos governos da Constituição Federal estuprada? Acho que sim.
Veio então a tão ansiada eleição direta para presidente da República, que antes mesmo de se contar os votos já se vislumbrava a consequência das desordens políticas – algo assim como o desfecho de tudo aquilo que advém do golpe.
A eleição direta para presidente da República, em 1989, trouxe a conta do blefe. O principal líder da oposição, o homem mais forte da “Nova República”, o Ulisses Guimarães, amargou o distante sétimo lugar.
Quem se elegeu presidente foi o governador de um Estado pequeno e pobre, e ainda, equidistante dos caciques da “Nova República”, isso para não dizer antagônico.
A eleição de Fernando Collor para a presidência da República causou alvoroço e quando o Collor se aproximou do Leonel Brizolla, aí causou desespero. Eleito presidente da República com 41 anos de idade, o Collor instituiu uma marca histórica.
E ao se apresentar embarcado num supersônico para vencer a barreira do som ou exercitando-se em corridas matinais exibindo vitalidade, o Collor deu com pau no vespeiro.
Ainda que possa ter contribuído para afugentar as vespas, o certo é que a permanência do Collor na presidência da República incomodava de uma forma e de outra, ou seja: incomodava independentemente e o único recurso era apeá-lo do poder.
Mas tudo teria de ser feito de modo a fingir, e fingir bem, que se agia em nome da legalidade; que era a lei e não eles que estava tirando o Collor do poder.
E não foi difícil, até porque pior foi em 1984 quando tiveram de convencer a nação da legitimidade da posse do Sarney, apesar do flagrante estupro constitucional.
E como tudo que começa errado descamba a errar, o impeachment imoral contra o Collor descambou para a imoralidade da posse do Itamar Franco. Ora pois, ninguém vota para vice-presidente, nem para vice-governador ou vice-prefeito, logo, o cargo de vice é unicamente um apêndice e não gera direitos.
Mas, passados mais de 20 anos do outro golpe civil-militar de 1992, a Justiça fez a “mea-culpa” e inocentou o Collor – que foi julgado por que mesmo?