Monthly Archives: abril 2014

O julgamento do Collor e o passado do presente
   24 de abril de 2014   │     14:33  │  1

Brasília – Depois do jejum das urnas por 20 anos, a eleição livre do presidente Fernando Collor foi uma surpresa desagradável para os caciques nacionais. E motivos havia sobrando.

Collor era o governador de um Estado pequeno e ainda mais, nordestino; Collor integrou o grupo de apoio ao regime que se findou com o general Figueiredo; Collor caminhou politicamente na contramão da esquerda, enfim, a eleição do Collor foi a desmoralização das esquerdas brasileiras – que sequer na cadeia se juntava mais.

Por extensão, a eleição do Collor para a Presidência da República significou a desmoralização da oposição – que se julgava dona das ações e dos resultados, especialmente os resultados advindos das urnas.

Ledo engano; a eleição do Collor significou o desmoronamento do castelo de areias no qual a oposição imaginava reinar solidamente.

Como o governador de um Estado pequeno, pobre e nordestino; como um político sem nenhum engajamento de esquerda se elegeu presidente da República?

E o pior, para a oposição, é que o Collor se elegeu presidente e fez todos virem a ele por bem ou por mal. E começou daí as tramas para derrubá-lo.

Pode-se admirá-lo ou não; pode-se gostar ou não do Collor, mas é primário acreditar na versão dada para apeá-lo do poder. Até seu mais ferrenho adversário, o senador Pedro Simon, já reconheceu em público que o que aconteceu no governo Collor “é fichinha” diante do que aconteceu depois dele.

Na bienal do livro este ano, aqui em Brasília, o músico Carlinhos Lyra incluiu o Collor na relação dos três presidentes injustiçados. O Carlinhos Lyra não é nenhum defensor do Collor, mas dizer que está errado é de uma pequenez própria dos fracos de caráter.

O Getúlio Vargas, o João Goulart e o Collor, que o Carlinhos Lyra com coragem e hombridade listou como injustiçados, são as vítimas dessa história mal contada.

Ninguém é 100% bom nem 100% ruim; as imperfeições fazem parte do todo para que se possa identificar as divindades mais facilmente. Afinal de contas, vai ser julgado o que mesmo? O presente, o futuro ou o passado da nação? 

Último exilado brasileiro em Paris era alagoano
   22 de abril de 2014   │     17:14  │  2

Brasília – Da serie os 50 anos do golpe de 1964 temos hoje que o último exilado político brasileiro em Paris era alagoano, de tradicional família de União dos Palmares – a família Sarmento.

Sua história gerou o Sebá, o personagem que o Jô Soares interpretava no programa humorístico da Rede Globo, na década de 1980, para se referir ao último exilado brasileiro que, apesar da Lei da Anistia, não pode retornar porque tinha outra acusação penal-militar.

Apareceu um se dizendo o Sebá, mas é mentira; nenhum dos exilados políticos brasileiros tinha duas graves acusações – uma de ordem política e outra de ordem militar, e esta não o contemplava na Lei da Anistia.

Pois bem; esse alagoano fez o maior sucesso na bienal do livro em Brasília, que se encerrou na segunda-feira. Sua palestra foi uma das mais concorridas juntamente com o fenomenal Ariano Suasuna.

O nome dele é Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, de família alagoana tradicional e radicado desde pequeno no Rio de Janeiro.

A história do Carlos Eugênio é fantástica e também marcada por sofrimentos; a mãe, dona Maria Sarmento, foi presa e torturada para dar conta do filho que tinha virado guerrilheiro.

Com o codinome Clemente, ele se transformou no lugar-tenente do Carlos Marighela – o líder político de esquerda assassinado pela repressão.

Mas, quando não estava na guerrilha, ele era o soldado Sarmento servindo no quartel do Forte de Copacabana – de onde fugiu levando o  FAL ( Fuzil Automático Leve) para a revolução, e daí não poder voltar logo para o Brasil mesmo beneficiado com a Anistia.

É que a Lei da Anistia contemplava os crimes políticos, mas o Carlos Eugênio estava enquadrado em outro crime – o que o condenou por ter fugido com o FAL.

O Carlos Eugênio não tinha opção; quando os superiores começaram a desconfiar de que também era guerrilheiro nas horas de folga no quartel, só lhe restava fugir;  e levou com ele o FAL para a guerrilha tão carente de armas.

Ele só pode voltar para o país depois que resolveu essa pendência com o Exército, o que não foi fácil.

Em 1981 eu fui para o Rio de Janeiro fazer o estágio anual que o Jornal do Brasil promovia com os correspondentes e fiquei hospedado no apartamento do Carlos Eugênio, na aristocrática Senador Correia.

Um apartamento grande, numa área nobre do Rio, mas que não tinha energia elétrica; eu achei estranho e o Carlos Eugênio deve ter percebido porque tratou logo de explicar: a Ligt continuava proibida de religar a energia.

O apartamento tinha sido considerado um aparelho e, apesar da Anistia, ainda permanecia como aparelho – que era como se chamava o local  de reunião da esquerda na luta contra o governo militar.

PS – O Carlos Eugênio é irmão da Valquiria Sarmento, que foi diretora do IZP no governo Ronaldo Lessa.

O Tiradentes careca e sem barba
     │     1:11  │  0

por Aprigio Vilanova*

A figura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, permaneceu considerada infame até a Proclamação da República. A memória de Tiradentes ficou obscura por quase 100 anos, só com os positivistas republicanos é que se torna herói oficial da história brasileira.

A Inconfidência Mineira foi um movimento que não saiu as ruas. Ficou na história como confabulação entre integrantes da elite mineira, do século 18, contraria a cobrança do Quinto, imposto sobre 20% da produção de ouro, e da Derrama, cobrança compulsória exercida por soldados da Coroa, inclusive com confisco de bens, para atingir a dívida acumulada da cobrança do Quinto.

Entre os conjurados tinham desde fazendeiros, donos de minas, religiosos e militares de alta patente e o Tiradentes, que de pobre não tinha nada. Mas o fato é que a única pena de morte aplicada foi a execução de Tiradentes, os outros integrantes do movimento foram degredados para a África, alguns com altos cargos na burocracia do Estado português enquanto cumpriam a pena.

A construção da imagem do herói feita pelo positivismo foi para torná-lo um cristo abrasileirado. Tiradentes é representado nas pinturas com barba e cabelos grandes, mas na realidade não era bem assim. Ele era alferes (posto inicial dos oficiais) e não poderia ter aquela imagem, no máximo poderia ter um discreto bigode.

Na prisão teve o cabelo e a barba aparados periodicamente, como todos os prisioneiros, para evitar a proliferação de piolhos. Esta era uma prática comum nas prisões coloniais, como também era comum a execução da forca ser feita com o condenado de cabeça e barbas raspadas.

Dois filmes sobre Tiradentes:

*é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto – MG

Para os índios só restou o 19 de abril
   19 de abril de 2014   │     18:33  │  1

*Aprigio Vilanova

Os índios brasileiros foram transformados numa data comemorativa, o 19 de abril. A escola brasileira estereotipa os nossos indígenas e em nada contribui para entendermos o que eram e no que foram transformados.

As crianças são pintadas, enfeitadas, e forçadas a emitirem um som que em nada tem a ver com a cultura indígena. A data serve apenas para a contínua construção de uma imagem exótica que beira a animalização.

Não existe uma discussão profunda da cultura indígena no país. A história oficial do Brasil nega a importância destes povos e os brasileiros continuam alimentados pelo preconceito fruto do eurocentrismo que impera em nossa mentalidade.

São 514 anos de exploração, extermínio, aculturação e de negação da importância histórica destes povos na cultura brasileira. Mas esquecemos que o português falado no Brasil está repleto de palavras que herdamos do tupi-guarani, que a nossa culinária só é o que é graças a influência indígena, que a sabedoria da medicina natural está sendo apropriada pela indústria farmacêutica.

A situação em que vivem os índios brasileiros é de lamentar. A forma como continuam sendo tratados em muito reflete o pensamento que impera em nós. Os povos nativos do Brasil sofreram e continuam sofrendo a exploração do homem branco em nome de um progresso que nunca será deles.

* é estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto – MG

Garcia Marquez: jornalismo é investigativo por definição
   18 de abril de 2014   │     6:06  │  1

Por Aprigio Vilanova*

Morreu nesta quinta-feira (17), na Cidade do México, aos 87 anos, o escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez. Gabo como era conhecido na intimidade, recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1982 com o livro “Cem anos de Solidão”.

Garcia Marquez foi um escritor genial numa geração de tantos outros mestres. Ajudou a construir o movimento literário “Boom” latino americano, com forte base no realismo mágico ou realismo fantástico.

Ele preferia definir assim: “É só Realismo.A realidade é que é mágica. Não invento nada. Não há uma só linha nos meus livros que não seja realidade. Não tenho imaginação”. A literatura de Gabo está profundamente ligada a sua experiência como jornalista.

O jornalismo era uma paixão que Gabo anunciou aos quatro cantos do mundo. Para ele o jornalismo é a certeza de que a investigação não é uma especialidade do ofício, já que todo jornalismo deve ser investigativo por definição e que a ética deve estar sempre orientando o caminho do fazer jornalístico.

Gabo fala da relação na sua obra entre jornalismo e literatura numa entrevista concedida a revista “the Paris Review”, em 1977: “A ficção ajudou meu jornalismo pois trouxe para ele valor literário. O jornalismo ajudou minha ficção porque me manteve numa relação próxima com a realidade”.

O escritor criou a Fundação do Novo Cinema Latino-Americano (FNLA) e a Escola Internacional de Cinema e Televisão (Eic TV), em Cuba, em 1985, na tentativa de impulsionar o movimento cinematográfico produzido na América Latina.

Outra criação importante do genial escritor foi a Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI), em 1994, na Colômbia. A fundação promove cursos, palestras e oficinas sobre jornalismo pela América Latina e está preocupada com a qualidade do jornalismo e tem como objetivo incentivar vocações, a ética e a boa narrativa.

Sua obra é fundamental para entender a América latina e o povo latino americano. Gabo fundiu magistralmente o real e o mágico, a realidade e a fantasia para esmiuçar as engrenagens das estruturas de exploração impostas aos povos humildes de latino-america.

Hasta La Vista Gabo!

* é estudante de Jornalismo da Universidade federal de Ouro Preto – MG