A condenação dos policiais militares acusados do massacre (parte) do Carandiru leva a várias reflexões sobre o que a sociedade efetivamente necessita no que se refere ao cumprimento da lei, e o que se expõe com o aval da mídia.
Vamos por partes:
Todo militar é subordinado ao comandante; ainda que seja da mesma patente o mais antigo responde pela tropa, porque na vida militar antiguidade é posto.
Não se trata de discutir o massacre ou os mortos, e sim de discutir esse caldinho que contribui para o estado de coisas que se repetem com frequência no país e leva a essas reflexões.
Do ponto de vista administrativo e criminal, só existem dois responsáveis pelo massacre do Carandiru:
O governador de São Paulo, na época, e o comandante da operação – e este nem tanto, pois em tese cumpriu ordens.
O governador na época era Fleury Filho, um oficial da PM paulista que ingressou na política e despiu-se da farda. E o comandante da operação era o coronel Ubiratan, que também ingressou na política e virou deputado – e foi assassinado sem que se saiba quem foi o assassino.
O coronel Ubiratan foi condenado a 600 anos de prisão!
Trata-se de uma condenação para Matusalém, que obviamente não impressiona mais, porquanto a sociedade já sabe que isso é só para alimentar a falsa impressão de justiça.
Mas o pior veio em seguida: os 600 anos de prisão viraram zero, e assim sem o menor constrangimento. É a prova de que estão brincando com a Justiça.
Passados 20 anos da tragédia e 23 subalternos são julgados, condenados a 150 anos, mas que também viraram zero porque existe o recurso e mais recurso.
Em primeiro lugar nenhum desses 23 subalternos deveriam sequer ser julgados, quanto mais condenados. Eles cumpriram ordem.
Se a Justiça continuar revertendo essa ordem natural das coisas a sociedade não terá mais segurança, porque o policial não pode mais cumprir ordens superiores.
O policial vai pensar duas vezes: cumpro a ordem e mato o bandido para salvar o cidadão, e me lasco na justiça; ou finjo que não estou vendo nada?
No caso da condenação dos policiais em São Paulo o que se viu foi a injustiça praticada contra aqueles que vivem para cumprir ordens. Se a ordem é absurda ou não, isto é da culpa única e exclusiva do superior dele.
No caso do massacre do Carandiru, são dois os culpados e somente só:
O ex-governador Fleury Filho é culpado se deu a ordem e culpado se também não a deu, e isto por dever de ofício, ou seja, ele é o governador e o chefe de todos.
E o coronel Ubiratan é culpado em segundo grau se obedeceu a ordem e culpado em primeiro grau se deu a ordem sem consultar o governador.
Em Alagoas há um episódio interessante que um antigo oficial da PM me contou; o coronel Pereira, da velha guarda, recebeu ordens do então governador Silvestre Péricles para dar uma surra num adversário ligado ao senador Arnon de Mello.
-“Uma pisa de bimba-de-boi!” – era a ordem de Silvestre.
O coronel Pereira chegou para o sargento que deveria executar a ordem e disse-lhe que não era para cumpri-la. Dois dias depois o Silvestre lhe perguntou se havia dado a surra no adversário e o coronel disse que sim; disse-lhe que a ordem tinha sido cumprida e que “o cara” estava todo moído de pau, se convalescendo, e que nem sabia quem tinha lhe aplicado a surra. Missão cumprida.
E aí o governador Silvestre reagiu:
– “Você tá doido, Pereira! Isso vai dar uma confusão da peste!”
O saudoso coronel Pereira, um gentleman, contava isso para ensinar que é preciso ponderar e que nem toda ordem se cumpre. Mas não precisa afrontar quem está dando a ordem.
-“Já pensou se eu tivesse cumprido a ordem?” – dizia.