Poucas pessoas ainda hoje sabem que, em Pariconha, antigo povoado emancipado de Água Branca no extremo Oeste de Alagoas, um grupo de agricultores liderou um movimento guerrilheiro que surpreendeu a repressão na época.
Foi em 1968 que se descobriu o movimento.
A história é a seguinte: o ex-deputado estadual e conselheiro aposentado do Tribunal de Contas, Roberto Torres, era prefeito de Água Branca e me contou que o então governador Lamenha Filho foi inaugurar o grupo escolar em Pariconha.
O que deveria ser uma solenidade oficial comum se transformou no maior bate-boca entre um popular na platéia e as autoridades presentes.
Surpreendido com a reação daqueles agricultores sertanejos de aparência frágil, mas muito bem informados cobra a conjuntura política nacional, Lamenha Filho desabafou para Roberto Torres – segundo o próprio Torres me contou:
-“Isto é uma semente. Quando chover vai nascer mais”.
Logo após esse episódio, a repressão política fez uma incursão em Pariconha e prendeu alguns desses agricultores – e alguns deles nem eram agricultores; eram sim ativistas que fugiram de São Paulo para escaparem da prisão política.
Entre os que não eram agricultores estava o Aldo Arantes, goiano, que foi deputado federal pelo PC do B de Goiás. O Aldo fugiu de São Paulo para escapar da repressão e veio se esconder no Sertão alagoano, ele, a mulher e a filha.
Os três foram presos e trazidos para a delegacia da Dopse, que funcionava na Rua Cincinato Pinto, numa casa vizinha à atual sede da Secretaria de Agricultura. Mas, para sorte deles, a repressão não descobriu quem na verdade era o Aldo Arantes e, antes de descobrir, os presos foram resgatados numa operação espetacular em Maceió.
Mas, como o Aldo Arantes, e depois a Socorro Gomes, que foi deputada federal pelo PC do B do Pará, vieram para o Sertão alagoano, mais precisamente para Pariconha?
Isso o José Correia, um dos agricultores e nativos que participou do movimento, me contou:
-“A gente se conheceu em São Paulo. Nós fomos trabalhar em São Paulo e acabamos nos envolvendo na luta política. Eu mesmo achava bonito quando a gente embolava as bolas de gude na pista para ver a cavalaria patinar e cair. Quando a coisa apertou lá (São Paulo) a gente correu de volta para Pariconha”.
Mas não é só isso; em Pariconha já havia uma base da AP (Ação Popular), ligada à Igreja Católica, e que ajudou na fundação de sindicatos rurais. Foram 14 sindicatos, contou-me Correia, fundados em Alagoas com a ajuda da AP.
O que eles pretendiam a partir do movimento de Pariconha ficou na interrogação. Só sei que o Ronaldo Lessa, então estudante de Engenharia da Ufal, foi preso depois de pichar o muro do Teatro Deodoro com a frase: “Liberdade para o pessoal de Pariconha”.
E agora vem o mais espetacular: a fuga da Dopse. A fuga foi uma derrota que a repressão política em Alagoas engoliu constrangida e que o Zé Correia, que participou do resgate, me conta orgulhoso:
-“A gente tramou tudo nos mínimos detalhes. A fuga foi num domingo, dia de jogo, um clássico entre o CSA e o CRB. Nós colocamos soníferos no café dos policiais, sem que eles notassem. A garrafa de café ficava na portaria e os policiais estavam entretidos ouvindo o jogo pelo rádio. O sonífero foi preparado pelo doutor Rocha, irmão do advogado José Moura Rocha. Nós esperamos os policiais adormecerem, pegamos a chave, abrimos a cela e liberamos todo mundo. Quem deu fuga ao pessoal foi o Eduardo Bonfim, que ficou ali na rua das árvores estacionado num fusquinha esperando o Aldo, a esposa e os filhos”.
Gente, depois desse episódio em Pariconha deu-se em Alagoas um fato no mínimo curioso: a convocação de reservistas para servirem numa companhia exclusivamente dedicada ao combate à guerrilha.
Era a 1ª Companhia do então 20º Batalhão de Caçadores, que virou a 1ª CG ( Companhia de Guerrilha) formada por reservistas, ou seja, soldados que já tinham prestado o serviço militar e foram convocados como voluntários.
Foi a primeira e, até agora, a única convocação de reservistas após a II Guerra Mundial. E aconteceu em Alagoas.