Mestre Audálio Dantas nos deixou, perdi o jantar que ele me convidou
   30 de maio de 2018   │     19:52  │  3

Por Aprigio Vilanova (texto, foto e vídeo)

Audálio no ciclo de palestra Jornalismo e Literatura

Dia triste para mim, para Alagoas, para o Brasil, para a democracia e, claro, para o verdadeiro Jornalismo. Morreu o mestre Audálio Dantas.

Audálio era de uma generosidade que só pode ser encontrada entre os mestres, entre os fora de série, entre os geniais. Assim foi Audálio Dantas. Tive o prazer de encontra-lo algumas vezes, acho que foram três e em todas elas a generosidade era de emocionar.

Lembro que o primeiro encontro foi em uma palestra organizada pelo Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). O mestre estava lançando o livro As duas guerras de Vlado, sobre a história de Vladimir Herzog desde a fuga da Europa dominada pelos nazistas até a sua morte nos porões do DOI-CODI (órgão de repressão e tortura da ditadura militar).

Após a palestra foi conversar com ele e me apresentei: Boa noite, mestre! Hoje, ao conhece-lo, estou realizando um sonho. Eu sou alagoano e é muito bom tê-lo como conterrâneo. Pedi para ele autografar o livro Diretas Já, do Henfil. Ele autografou e me deu um exemplar do seu livro. Dalí nasceu uma amizade. Encontrei-o mais duas vezes.

Audálio e Vanira Kunc (esposa) caminhando por Ouro Preto

No ano seguinte, Audálio volta para a Ouro Preto para participar do Encontro das Letras. Nesta oportunidade pedi para entrevista-lo, ele de pronto aceitou. Ele sugeriu que a entrevista se desse na pousada onde estava hospedado. Houve um pequeno equívoco de minha parte e fui para o lugar errado, mas consegui a entrevista.

Conversamos por mais de uma hora e tive ali uma aula de história, jornalismo e de generosidade (a entrevista rendeu e dividi em duas partes, o link está no final do texto). Já era tarde, em despedi de Audálio e segui alegre feito menino pelas ruas coloniais de Ouro Preto.

Em 2016, por desejo, consegui encontra-lo em São Paulo. Audálio estava organizando um ciclo de encontros denominado Jornalismo e Literatura e coincidiu com minha estada na Terra da Garoa.

 

Fui lá participar e sempre ao final das palestras conversávamos. Ele sempre fazia questão de me apresentar como seu conterrâneo.

O ciclo de palestra durou uma semana e ele havia me convidado para, ao final dos debates, na sexta, para um jantar. Felicidade e gratidão era pouco para descrever o sentimento. Estava hospedado na casa de um amigo que ficava no caminho que ele fazia para chegar em casa. Participei de todas as palestras, mas na quinta-feira surgiu um imprevisto e precisei voltar para Mariana, cidade de Minas Gerais, na sexta pela manhã.

Não tive o prazer do jantar por mim tão desejado. Mas, pode ter certeza, você sempre servirá de alimento para todos nós. Valeu, Mestre!     

O Guerreiro da Democracia

Audálio foi presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e desempenhou papel importante no combate a ditadura militar e na luta pela redemocratização do país. Foi ele um dos responsáveis pela organização do culto ecumênico em memória de Vladimir Herzog, jornalista assassinado nos porões do DOI-CODI paulista.

O culto foi celebrado na Catedral da Sé, reuniu cerca de 8 mil pessoas e se transformou no maior ato público em protesto a ditadura desde de 1964, nas palavras de Dom Evaristo Arns. Na ocasião, Audálio fez um dicurso emocionado. Segue um trecho:

“Nós pedimos, em nome da consciência do homem, neste momento de dor de todo nós, não só jornalistas, mas de todos nossos irmãos, de todas as crenças religiosas. Eu quero fazer um apelo como última homenagem, neste momento de dor para todos nós, ao nosso irmão morto, ao homem morto, ao deus-homem morto, ao deus que está em todos os homens, silêncio. Saiamos deste templo em silêncio, saiamos em silêncio e aguardemos o caminho da paz.”

A preocupação de Audálio era que o ato ecumênico descambasse para uma batalha campal nas ruas de São Paulo que, naquele momento, estavam abarrotadas de militares esperando um álibe para reprimir a celebração. Por isso, a insistência em pedir que os presentes saíssem em silêncio da catedral, qualquer palavra de ordem seria o pretexto para os militares entrarem em ação.

Era o auge dos Anos de Chumbo, período mais sangrento da ditadura militar.

Clique e assista a entrevista com Audálio Dantas

Parte I

Parte II

 

COMENTÁRIOS
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  1. Márcio Lemos

    Audálio foi um cidadão consciente de sua importância como formador de opinião, tendo permanecido até o fim de sua vida nesta terra na trincheira dos lutam por liberdade e igualdade. Diferente de outros que viraram a casaca por 30 moedas. Na política, tanto quanto no jornalismo, diversos casos desses que venderam suas consciências estão aí para ilustrar o que digo. Enfim, você tem razão, a perda entristece, mas esse é destino de todos nós. Felizmente a partida de Audálio não se deu, assim como aconteceu com Vlado, naqueles porões imundos da corrupta ditadura militar.

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