Todos os dias era um vai e vem
   31 de agosto de 2014   │     13:51  │  1

por Aprigio Vilanova*

Passados 100 anos da construção da Estação Ferroviária de Mariana o que resta é saudade, histórias e o prazer de alguns personagens ao falar da época em que as viagens eram feitas de trem. O abandono do sonho do transporte ferroviário de passageiros, mais seguro, econômico e eficiente, significou uma perda com conseqüências materiais e imateriais para o país.

Das 23 estações do ramal, só quatro foram restauradas pela Vale para a implantação do trem turístico: Mariana, Passagem de Mariana, Vitorino Dias e Ouro Preto. As outras estações estão abandonadas, algumas em ruínas.

O projeto de interligar o país por trilhos, iniciado com o Barão de Mauá, em 1856, no Império de Dom Pedro II, foi deixado de lado definitivamente no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a privatização da rede ferroviária. O trem de passageiros em Mariana foi extinto na década de 1980.

A cidade

Mariana da época do trem de passageiros em nada se parece com a cidade dos dias de hoje. A região onde funcionava a estação ferroviária era um descampado e, em frente, foi construída a Fabrica de Tecelagem, em 1933.

A ferrovia trouxe transformação econômica para a cidade, intensificando o movimento de operários. Segundo o ex-maquinista Pedro de Oliveira, que começou a trabalhar na rede ferroviária em 1954, a cidade de Mariana se transformou a partir da ferrovia. “A região da estação era um brejo, havia poucas casas e uma lagoa, onde o pessoal vinha pescar. No lugar onde construíram a atual sede da Prefeitura existia um lindo jardim e uma praça com uma fonte. Atrás da estação existiam muitas pitangueiras. O pessoal vinha aos domingos passear na região e colher pitangas” lembra.

A cidade funcionava em torno da estrada de ferro. Cerca de 12 mil habitantes era a população de Mariana até a década de 1980. As notícias, as mercadorias para abastecer o comércio e as que saiam de Mariana, o transporte dos funcionários da fábrica, dos professores, de pessoas que deixavam seu lugar e de outros que chegavam para um novo lar. O trem entrava de vez no cotidiano da cidade.

A professora Glória Celestino viveu sua infância e adolescência na estação, seu pai era funcionário da Estrada de Ferro Central do Brasil (EFCB), ela declara que “Quando o trem ia chegar as pessoas corriam para ver. A chegada e a partida eram sempre um acontecimento na vida da cidade. As pessoas se produziam para vir, o passeio na estação era o programa mais badalado da cidade”.

Meu castelo

Na década de 1950, Glória Celestino era uma criança de seis anos e seu pai, Jeferson Celestino, funcionário da administração da ferrovia. A menina dividia seu tempo entre a escola e a estação, “Eu vinha sempre a estação trazer o café para meu pai, roupas e cobertas para os dias em que ele pernoitava” diz.

O movimento na estação não parava. As crianças iam para brincar e Glória estava sempre no prédio e nutria uma relação especial com o espaço: “Aqui (a estação) era meu castelo. O prédio grande com torres me fazia crer que era meu palácio. Ideal para a diversão da criançada. Meu pai trabalhou em vários setores, eu conhecia a estação de ponta a ponta” esclarece.

A menina Glória também tinha outros motivos que a atraiam. O aparelho de comunicação entre as estações fascinava a menina. “Eu vinha também por que adorava falar no teleponto. Nem sempre eu falava, mas as vezes meu pai permitia. Eu achava o máximo”.

Fogo e chuva

O ex-maquinista Pedro de Oliveira trabalhou na EFCB durante 35 anos. Foram 20 anos como auxiliar e 15 como maquinista. Pedro lembra da locomotiva que comandou nesses 15 anos. “Era a 1511, uma locomotiva de fabricação americana.Eu vivia viajando, o tempo todo. Fazia a linha Ponte Nova – Belo Horizonte, e de tanto viver viajando não consegui acompanhar o crescimento dos meus filhos” lamenta.

O trabalho na Maria Fumaça exigia esforço. “O cabra tinha que ser macho. Dentro da máquina era pesado, quando liberava a água na fornalha subia aquele vaporzão e eu ficava doidão. Jogava o vapor para fora, colocava carvão para dentro e ficava nisso até a máquina atingir a calibragem ideal. Saia carvão até do meu nariz e eu vivia com a mão cheia de calos, parecia até um trabalhador rural. Naquela época era fogo no peito e chuva nas costas” desabafa.

A casa onde o ex-maquinista reside hoje foi comprada graças ao trabalho na EFCB. “Comprei minha casa a vista com o salário que recebi em apenas um mês de trabalho. Era tanto dinheiro que não cabia nos bolsos, tive que levar tudo numa sacola. Nesse mês fiz 200 horas extras. Era mais dinheiro de horas extras do que do próprio salário” recorda orgulhoso.

*é estudante de Jornalismo da Universidade federal de Ouro Preto – MG

COMENTÁRIOS
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  1. Amigo do Povo

    Realmente, em 12 anos de governo petralha, apenas 1940 metros de trilhos novos foram colocados e mesmo assim pela iniciativa privada.

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