A condenação de quem nada tem a ver com o crime
   22 de abril de 2013   │     9:25  │  3

A condenação dos policiais militares acusados do massacre (parte) do Carandiru leva a várias reflexões sobre o que a sociedade efetivamente necessita no que se refere ao cumprimento da lei, e o que se expõe com o aval da mídia.

Vamos por partes:

Todo militar é subordinado ao comandante; ainda que seja da mesma patente o mais antigo responde pela tropa, porque na vida militar antiguidade é posto.

Não se trata de discutir o massacre ou os mortos, e sim de discutir esse caldinho que contribui para o estado de coisas que se repetem com frequência no país e leva a essas reflexões.

Do ponto de vista administrativo e criminal, só existem dois responsáveis pelo massacre do Carandiru:

O governador de São Paulo, na época, e o comandante da operação – e este nem tanto, pois em tese cumpriu ordens.

O governador na época era Fleury Filho, um oficial da PM paulista que ingressou na política e despiu-se da farda. E o comandante da operação era o coronel Ubiratan, que também ingressou na política e virou deputado – e foi assassinado sem que se saiba quem foi o assassino.

O coronel Ubiratan foi condenado a 600 anos de prisão!

Trata-se de uma condenação para Matusalém, que obviamente não impressiona mais, porquanto a sociedade já sabe que isso é só para alimentar a falsa impressão de justiça.

Mas o pior veio em seguida: os 600 anos de prisão viraram zero, e assim sem o menor constrangimento. É a prova de que estão brincando com a Justiça.

Passados 20 anos da tragédia e 23 subalternos são julgados, condenados a 150 anos, mas que também viraram zero porque existe o recurso e mais recurso.

Em primeiro lugar nenhum desses 23 subalternos deveriam sequer ser julgados, quanto mais condenados. Eles cumpriram ordem.

Se a Justiça continuar revertendo essa ordem natural das coisas a sociedade não terá mais segurança, porque o policial não pode mais cumprir ordens superiores.

O policial vai pensar duas vezes: cumpro a ordem e mato o bandido para salvar o cidadão, e me lasco na justiça; ou finjo que não estou vendo nada?

No caso da condenação dos policiais em São Paulo o que se viu foi a injustiça praticada contra aqueles que vivem para cumprir ordens. Se a ordem é absurda ou não, isto é da culpa única e exclusiva do superior dele.

No caso do massacre do Carandiru, são dois os culpados e somente só:

O ex-governador Fleury Filho é culpado se deu a ordem e culpado se  também não a deu, e isto por dever de ofício, ou seja, ele é o governador e o chefe de todos.

E o coronel Ubiratan é culpado em segundo grau se obedeceu a ordem e culpado em primeiro grau se deu a ordem sem consultar o governador.

Em Alagoas há um episódio interessante que um antigo oficial da PM me contou; o coronel Pereira, da velha guarda, recebeu ordens do então governador Silvestre Péricles para dar uma surra num adversário ligado ao senador Arnon de Mello.

-“Uma pisa de bimba-de-boi!” – era a ordem de Silvestre.

O coronel Pereira chegou para o sargento que deveria executar a ordem e disse-lhe que não era para cumpri-la. Dois dias depois o Silvestre lhe perguntou se havia dado a surra no adversário e o coronel disse que sim; disse-lhe que a ordem tinha sido cumprida e que “o cara” estava todo moído de pau, se convalescendo, e que nem sabia quem tinha lhe aplicado a surra. Missão cumprida.

E aí o governador Silvestre reagiu:

– “Você tá doido, Pereira! Isso vai dar uma confusão da peste!”

O saudoso coronel Pereira, um gentleman, contava isso para ensinar que é preciso ponderar e que nem toda ordem se cumpre. Mas não precisa afrontar quem está dando a ordem.

-“Já pensou se eu tivesse cumprido a ordem?” – dizia.

COMENTÁRIOS
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  1. Emerson

    Bob, todos devem pagar pelo crime, inclusive os mandantes, parece que aqui no Brasil abriu-se um precedente perigoso, mandante não comete crime porque mandou, ou pagou veja o caso do Pará onde os assassinos do casal de ecologistas foram condenados pelo tribunal do júri e o mandante foi absolvido.

  2. Valdeck

    Caro Bob, o sistema prisional foi criado para conter as pessoas que cometem delitos. Uma vez encarcerado, ele fica sob custódia do Estado para que seja julgado e punido pelo ato. Enquanto ele estiver detido, é dever do Estado preservar a sua integridade e ressocialização, não quero entrar no mérito se o Estado cumpre ou não esse artigo que está na Carta Magna do país. Mas, uma operação de contenção seja em presídio, seja em confronto aberto como ocorreu com os sem-terras, no caso de Eldorado dos Carajás, da forma como você atesta, a tropa agiu certo porque cumpriu ordens, quem tem de ser culpabilizado são os mandantes, então abre-se um precedente para os crimes de mando, quando o executor, na sua ótica, deveria ser libertado enquanto que o mandatário deveria responder pelo crime. Quando escrevemos para um veículo de comunicação, devemos ter o cuidado de ver várias vertentes para não incorrer no erro crasso. Basta lembrar também nos anos de chumbo que muitos militares à mando torturou e matou muitos civis e que até hoje ninguém foi punido, graças à Lei da Anistia. Contrário ao tema, todos tem sua parcela de culpa e devem ser julgados desde os mandantes aos executores, justiça não se faz com as mãos. Quem prega o justiçamento, prega a violência, o terror, a Lei de Talião, olho por olho, dente por dente, isso é democracia?

  3. Pedro Honorato

    Se a ordem for manifestamente ilegal, o subordinado também responderá pelo crime. Abaixo, transcrevo trecho do Código Penal Militar:

    Art. 38. Não é culpado quem comete o crime:

    Coação irresistível

    a) sob coação irresistível ou que lhe suprima a faculdade de agir segundo a própria vontade;

    Obediência hierárquica

    b) em estrita obediência a ordem direta de superior hierárquico, em matéria de serviços.

    1° Responde pelo crime o autor da coação ou da ordem.

    2° Se a ordem do superior tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso, ou há excesso nos atos ou na forma da execução, é punível também o inferior.

    Ou seja, segundo a sua interpretação do que ficou conhecido como o “massacre do carandirú”, todos os policiais que, de alguma forma cumpriram às ordens de “executar” os presos, também são culpados, não apenas os comandantes e o governador.

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